Viemos buscar o que é nosso
14/12/2008 Documento redigido a partir da Faculdade de Economia Ocupada de Atenas
"Nestes dias de raiva, o espectáculo enquanto relação de poder, enquanto relação que confere memória aos objectos e aos corpos, confronta-se com um contra-poder difuso que desterritorializa as impressões, permitindo-lhes vaguear para longe da tirania da imagem e para o interior do campo dos sentidos. Os sentidos são sempe experimentados de forma antagonista (são sempre dirigidos contra qualquer coisa) – mas nas condições actuais dirigem-se para uma polarização cada vez mais aguda e radical.
Às caricaturas supostamente pacifistas dos meios de comunicação da burguesia («a violência é sempre inaceitável, onde quer que seja») apenas podemos contrapor gargalhadas: a sua dominação, a dominação dos espíritos tranquilos e do consenso, do diálogo e da harmonia, não é mais do que um bem calculado prazer pelaa bestialidade – a promessa de uma carnificina. O regime democrático, na sua fachada pacífica, não mata um Alexandros todos os dois, precisamente porque mata milhares de Ahmets, Fatimas, Jorjes, Jin Tiaos e Benajirs: porque assassina sistematicamente, estruturalmente e sem qualquer tipo de remorsos, a totalidade do terceiro mundo, ou seja, o proletariado global. Foi desta forma, através de um tranquilo massacre diário, que surgiu a ideia de liberdade: liberdade não como um pretenso bem universal, não como um direito natural de todos, mas como o grito dos amaldiçoados, como a premissa da guerra civil."
A história da ordem legal e da burguesia enquanto classe lava-nos o cérebro com uma imagem de progresso gradual e contínuo da humanidade, no interior do qual a violência representa uma lastimável excepção resultante do subdesenvolvimento económico, emocional e cultural. E no entanto todos nós, que fomos esmagados entre mesas de escola, atrás de secretárias e balcões, nas fábricas, sabemos demasiado bem que a história não é mais do que uma sucessão de actos de selvajaria instalados por um mórbido sistema de regras. Os cardeais da normalidade choram a lei violada pela bala do porco Korkoneas (o bófia assassino). Mas quem desconhece que a força da lei é apenas a força dos poderosos? Que é a própria lei que permite o uso da violência? A lei é o vazio do princípio ao fim; não contém qualquer significado, qualquer objectivo que não o poder codificado da imposição.
Simultaneamente, a dialética da Esquerda procura codificar o conflito, a batalha e a guerra, com a lógica da síntese de oposições. Desta maneira, constrói uma ordem, uma situação pacificada no interior da qual tudo encontra o seu devido lugar. E no entanto, o destino do conflito não é a síntese – tal como o destino da guerra não é a paz. Uma insurreição social é composta pela condensação e explosão de milhares de negações, mas não contém em qualquer momento ou em qualquer parte, a sua própria negação, o seu fim. Isto parece sempre certamente pesado e preocupante para as instituições de mediação e de normalização, para a Esquerda que promete o voto aos 16 anos, o desarmamento mas manutenção da polícia, um Estado social, etc. Para aqueles que, por outras palavras, desejam capitalizar politicamente as feridas dos outros. A doçura do seu comprometimento deita sangue.
A violência social não pode ser responsabilizada por aquilo que não assume: é destrutiva do início ao fim. Se as lutas da modernidade nos ensinaram alguma coisa não foi certamente a sua triste fixação num sujeito (a classe, o partido, o grupo), mas antes o seu processo sistematiamente anti-dialético: o acto de destruição não implica necessariamente uma dimensão de criação. Noutras palavras, a destruição do velho mundo e a criação de um novo implicam dois processos distintos, ainda que convergentes. A questão que se coloca é então que métodos de destruição do que existe podem ser desenvolvidos em diferentes pontos e momentos de uma insurreição. Que métodos permitem, não apenas preservar a profundidade e a extensão de uma insurrecição mas também contribuem para o seu crescimento qualitativo. Os ataques a esquadras da bófia, os confrontos e cortes de estrada, as barricadas e luta de rua, constituem agora um fenómeno quotidiano e socializado nas metrópoles e para além delas. Tudo isso contribuiu para um abalo parcial do ciclo da produção e do consumo. E no entanto, constituem apenas uma identificação parcial do inimigo, directa e óbvia para todos, mas ainda encurralada apenas numa dimensão do ataque contra as relações sociais dominantes. Contudo, o próprio processo de produção e circulação de bens, noutras palavras, o Capital enquanto relação, foi apenas indirectamente abalado pelas mobilizações. Um espectro paira sobre a cidade em chamas: a greve geral selvagem por tempo indeterminado.
A crise capitalista global negou aos patrões a sua mais dinâmica e eficaz resposta à insurreição: "Oferecemos-vos tudo, para sempre, enquanto que eles apenas vos podem oferecer um presente de incerteza." Com uma firma a colapsar a seguir à outra, o capitalismo e o Estado já não estão em condições de oferecer mais do que dias piores por vir, condições financeiras mais apertadas, despedimentos, suspensão de pensões, cortes nas despesas sociais, destruição do sistema de educação gratuita. Pelo contrário, em apenas sete dias, os insurrectos provaram na prática aquilo que podem fazer: tornando a cidade num campo de batalha, criando enclaves libertados espalhados pela malha urbana, abandonando o seu individualismo e a patética segurança que o acompanha, procurando a composição do seu poder colectivo e a completa destruição deste sistema assassino.
Na conjuntura histórica em que nos encontramos, de crise, raiva e bloqueio das instituições, a única coisa que pode converter o abalo do sistema em revolução social é a rejeição total do Trabalho. Quando as lutas de rua tiverem como cenário ruas escuras devido à greve da Companhia de Eletricidade; quando os confrontos tiverem lugar por entre toneladas de lixo por recolher, quando os elétricos forem utilizados para fechar estradas e bloquear a polícia, quando o professor em greve acender o cocktail molotov do seu aluno revoltoso, então poderemos finalmente afirmar: «"Os dias desta sociedade estão contados; as suas justificações e os seus méritos foram pesados, e considerados ligeiros; os seus habitantes dividiram-se em dois partidos, dos quais um deseja que ela desapareça." Esta afirmação deixou actualmente de ser uma mera fantasia para se converter numa real possibilidade nas mãos de qualquer um: a possibilidade de agira concretamente sobre o concreto. A possibilidade de tomar o céu de assalto.
Se tudo isto parece prematuro, nomeadamente a extensão do conflito à esfera da produção-circulação, com sabotagens e greves selvagens, talvez seja apenas porque ainda mal nos apercebemos da velocidade com que o poder se decompõe, de quão rápido as práticas conflituais e as formas de organização não hierárquicas se difundem socialmente: desde estudantes do secundário que apedrejam esquadras da polícia, até trabalhadores municipais e moradores que ocupam os edíficios das Câmaras Municipais. A revolução não acontece através de rezas e súplicas pelas condições históricas mais favoráveis. Desenvolve-se pelo aproveitamento de cada oportunidade de insurreicção em qualquer aspecto social, pela transformação de cada gesto relutante de condenação da polícia em ataque decidido contra os fundamentos do sistema.
Queremos un mundo mejor. Ayudadnos.
No somos terroristas, “encapuchados”, gnostoi-agnostoi*
Somos vuestros hijos.
Ellos, oi gnostoi-agnostoi…
Soñamos – no matéis nuestros sueños.
Tenemos empuje – no paréis nuestro empuje.
Recordad. Una vez fuisteis vosotros también jóvenes.
Ahora perseguís el dinero, os preocupáis solo por el “escaparate”,
habéis engordado, os habéis quedado calvos, os habéis olvidado.
Esperábamos que nos apoyarais, esperábamos que os interesarais,
Que nos hicierais sentirnos orgullosos por una vez. En vano.
Vivís vidas de mentira, habéis agachado la cabeza, os habéis bajado los pantalones y esperáis el día en que moriréis.
No imagináis, No os enamoráis, no creáis.
Solo vendéis y compráis.
Lo material en todas partes. Amor en ninguna parte. Verdad en ninguna parte.
¿Donde están los padres?
¿Dónde están los artistas?
¿Por qué no salen a la calle?
Ayudadnos a nosotros los hijos
PS: No nos arrojéis más gases lacrimógenos.
Ya lloramos nosotros por nuestra cuenta.
*”Oi gnostoi agnostoi” es una expresión que la sociedad griega y sobre todo los medios de comunicación han encontrado para definir los mismos grupos de jóvenes que a menudo provocan disturbios en la ciudad. La traducción literal es “los conocidos-desconocidos” y se llaman así porque llevan capucha y no es seguro pero hay rumores de que la policía los conoce y no los arresta porque son agentes provocadores de la misma policía.
Up against the wall motherfuckers! We’ve come for what’s ours…
In these days of rage, spectacle as a power-relation, as a relation that imprints memory onto objects and bodies, is faced with a diffuse counter-power which deterritorialises impressions allowing them to wonder away from the tyranny of the image and into the field of the senses. Senses are always felt antagonistically (they are always acted against something) – but under the current conditions they are driven towards an increasingly acute and radical polarisation.
Against the supposedly peaceful caricatures of bourgeois media (“violence is unacceptable always, everywhere”), we can only cachinnate: their rule, the rule of gentle spirits and consent, of dialogue and harmony is nothing but a well calculated pleasure in beastliness: a promised carnage. The democratic regime in its peaceful façade doesn’t kill an Alex every day, precisely because it kills thousands of Ahmets, Fatimas, JorJes, Jin Tiaos and Benajirs: because it assassinates systematically, structurally and without remorse the entirety of the third world, that is the global proletariat. It is in this way, through this calm everyday slaughter, that the idea of freedom is born: freedom not as a supposedly panhuman good, nor as a natural right for all, but as the war cry of the damned, as the premise of civil war.
The history of the legal order and the bourgeois class brainwashes us with an image of gradual and stable progress of humanity within which violence stands as a sorry exception stemming from the economically, emotionally and culturally underdeveloped. Yet all of us who have been crushed between school desks, behind offices, in factories, know only too well that history is nothing but a succession of bestial acts installed upon a morbid system of rules. The cardinals of normality weep for the law that was violated from the bullet of the pig Korkoneas (the killer cop). But who doesn’t know that the force of the law is merely the force of the powerful? That it is law itself that allows for violence to be exercised on violence? The law is void from end to bitter end; it contains no meaning, no target other than the coded power of imposition.
At the same time, the dialectic of the left tries to codify conflict, battle and war, with the logic of the synthesis of opposites. In this way it constructs an order; a pacified condition within which everything has its proper little place. Yet, the destiny of conflict is not synthesis – as the destiny of war is not peace. Social insurrection comprises the condensation and explosion of thousands of negations, yet it does not contain even in a single one of its atoms, nor in a single one of its moments its own negation, its own end. This always comes heavy and gloomy like a certainty from the institutions of mediation and normalisation, from the left promising voting rights at 16, disarmament but preservation of the pigs, a welfare state, etc. Those, in other words, who wish to capitalise political gains upon the wounds of others. The sweetness of their compromise drips with blood.
Social anti-violence cannot be held accountable for what it does not assume: it is destructive from end to end. If the struggles of modernity have anything to teach us, it is not their sad adhesion upon the subject (class, party, group) but their systematic anti-dialectical process: the act of destruction does not necessarily ought to carry a dimension of creation. In other words, the destruction of the old world and the creation of a new comprise two discrete but continuous processes. The issue then is which methods of destruction of the given can be developed in different points and moments of the insurrection. Which methods cannot only preserve the level and the extent of the insurrection, but contribute to its qualitative upgrading. The attacks on police stations, the clashes and roadblocks, the barricades and street battles now comprise an everyday and socialised phenomenon in the metropolis and beyond. And they have contributed to a partial deregulation of the circle of production and consumption. And yet, they still comprise in a partial targeting of the enemy; direct and obvious to all, yet entrapped in one and only dimension of the attack against dominant social relations. However, the process of production and circulation of goods in itself, in other words, the capital-relation, is only indirectly hit by the mobilisations. A spectre hovers over the city torched: the indefinite wild general strike.
The global capitalist crisis has denied the bosses their most dynamic, most extorting response to the insurrection: “We offer you everything, for ever, while all they can offer is an uncertain present”. With one firm collapsing after the other, capitalism and its state are no longer in a position to offer anything other than worse days to come, tightened financial conditions, sacks, suspension of pensions, welfare cuts, crush of free education. Contrarily, in just seven days, the insurgents have proved in practice what they can do: to turn the city into a battlefield, to create enclaves of communes across the urban fabric, to abandon individuality and their pathetic security, seeking the composition of their collective power and the total destruction of this murderous system.
At this historical conjuncture of crisis, rage and the dismissal of institutions at which we finally stand, the only thing that can convert the systemic deregulation into a social revolution is the total rejection of work. When street fighting will be taking place in streets dark from the strike of the Electricity Company; when clashes will be taking place amidst tons of uncollected rubbish, when trolley-buses will be closing streets, blocking off the cops, when the striking teacher will be lighting up his revolted pupil’s molotov cocktail, then we will be finally able to say: “Ruffians, the days of your society are numbered; we weighted its joys and its justices and we found them all too short”. This, today, is no longer a mere fantasy but a concrete ability in everyone’s hand: the ability to act concretely on the concrete. The ability to charge the skies.
If all of these, namely the extension of the conflict into the sphere of production-circulation, with sabotages and wild strikes seem premature, it might just be because we haven’t quite realised how fast does power decomposes, how fast confrontational practices and counter-power forms of organising are socially diffused: from high school students pelting police stations with stones, to municipal employees and neighbours occupying town halls. The revolution does not take place with prayers towards and piety for historical conditions. It occurs by seizing whatever opportunity of insurrection in every aspect of the social; by transforming every reluctant gesture of condemnation of the cops into a definite strike to the foundations of this system.
Off the pigs!
14/12/2008 Initiative from the occupation of the Athens School of Economics and Business
(http://www.occupiedlondon.org)
Notícias:
Violence en Grèce: 72% des Français craignent de vivre les mêmes événements
Nouvelle nuit de violence à Athènes
Artigos:
La revuelta en Grecia, obra de los jóvenes que vieron asesinado su horizonte - Eugenia Apostolou
Atenas, mote & glosa
Mote
“Parar um país, queimar carros e atacar as lojas, ‘bora’ dar cabo da Grécia é capaz de ser uma boa ideia. Conheço pouco do país, só lá estive num momento de festa (Jogos Olímpicos) e não sei se aquilo merece ou não ser derrubado. À partida não me parece. Melhor nível de vida que Portugal, eleições, há décadas, nos prazos previstos, não me parece exactamente o Zimbabwe… Mas posso acreditar que sim, talvez haja um Mugabe em Atenas - é tanta a convicção dos jovens e dos sindicatos nas ruas que só pode. Esse é um pressuposto justo para luta: um tirano, um governo iníquo, muito Esparta e pouco Atenas. Mas se é assim, diga-se. Ninguém o diz. Agora, ver os sindicatos gregos com bandeirolas “contra o assassínio a sangue-frio do jovem Alexander” e daí exigirem o fim dos despedimentos e mais dinheiro do Governo para a Saúde e Educação, dá para perguntar: o que tem o cu a ver com as calças? Um polícia atirou para o ar, a bala fez ricochete e matou um jovem é uma situação que merece que o polícia seja julgado. É o que está acontecer. A justiça grega tranquiliza-me. Assim me tranquilizasse a polícia grega acabando com a bandalheira nas ruas.”
Ferreira Fernandes in DN, 11.12 08
Glosa
Conforme já foi amplamente explicado, o “daí” que surge a meio do texto que precede, porque não há razões para pensar que seja pura e simplesmente uma desonestidade intelectual, é um erro: muito antes que o jovem Alexander tivesse morrido já os sindicatos tinham anunciado descer à rua, no dia em que o fizeram, “exigir o fim dos despedimentos e mais dinheiro do Governo para a Saúde e Educação”.
Mas para além desse erro, o problema é que, por esse mundo fora, e por essa história abaixo (e se calhar também acima), parece que as massas (passe o palavrão) nem sempre lêem o DN e os avisados conselho dos seus comentadores e insistem em confundir, na sempre expressiva linguagem de Ferreira Fernandes, “o cu com as calças”: os esfomeados de Paris de 1789 confundiram a sua fome (o seu cu?) com as calças que terão guilhotinado Luís XVI e Maria Antonieta, os russos de 1917, em vez de se contentarem com o pão, a paz e a terra, misturaram isso tudo com o poder dos sovietes e a electrificação de toda a Rússia (porque não leram eles Ferreira Fernandes?!), os jovens de Nanterre, em 68, que ao princípio queriam só poder ir aos dormitórios das raparigas (e vice versa), sabe-se lá para quê, e acabaram a pedir a imaginação ao poder, também deviam ter parado a tempo (logo que estivessem com as calças na mão, se calhar) e percebido a tempo que o raio de uma luta menor não se pode transformar na causa maior de um país inteiro - e se calhar até a malta que em Portugal, em 73 ou 74, queria melhores salários, estava contra a guerra em África ou contra a reforma Veiga Simão, nunca devia ter misturado o cu com as calças e posto em causa a questão do regime ou do poder de Estado. História fora, é longa a lista dos enganados: trocando Ferreira Fernandes por Romain Rolland (à sua maneira, dois clássicos), os gregos foram os últimos desta longa e aperentemente inesgotável linhagem a confundir a “bandalheira nas ruas” com a “felicidade de lutar”: é preciso perceber o que faltou para que eles pudessem avaliar a larga distância que separa o rabo das cuecas, por assim dizer.
Eu só estive em Atenas uma única vez em toda a minha vida, em 1972, e uma das piadas mais estúpidas e mais recorrentes lá de casa contava que nessa altura, estando eu, o meu pai e o meu primo J. na Praça da Constituição, o meu pai deu uns dracmas ao meu primo e pediu-lhe para ele ir a um quiosque ali ao pé comprar “CT Grande” (a marca de cigarros que ele fumava e que, evidentemente, não chegava sequer a Badajoz); aí o meu primo foi e na volta disse, com um ar convicto: “Eles disseram que não há” (risos da família). Ora eu acho que hoje se poderia repetir a graça, com o DN no lugar do CT, que eles voltariam a dizer que não havia, infelizmente.António Figueira
(http://5dias.net/)
Grécia: consumismo e urbanismo
Há dois aspectos ligados à situação na Grécia que têm sido pouco reflectidas e que seriam provavelmente interessantes discutir:
- O consumismo - Será coincidência a explosão dar-se na altura em que a máquina mais se esforça para criar o sentimento de necessidade, de insatisfação nos cidadãos-consumidores? A máquina, à sua maneira, faz o maior esforço para nos fazer sentir insatisfeitos com o que temos. Aponta as baterias principalmente aos jovens. Sempre me fez um pouco de confusão como a esquerda portuguesa convive tão bem com a publicidade e o marketing. Felizmente, nem toda.
- O espaço urbano - Com os motins, a rua torna-se um lugar em que se faz mais alguma coisa sem ser viajar de automóvel e consumir. O espaço público assume uma natureza de discussão, convívio e confrontação, uma natureza humana. Um testemunho de um estudante erasmus neste muito recomendável novo blogue, dizia “também andei na rua a curtir”. A curtir, repare-se, não a transportar-se, não a comprar. A curtir. Quem me dera andar nas ruas de Atenas a curtir.
Pelo que me têm dito colegas gregos, as reportagens na imprensa internacional que melhor têm tratado o assunto são as do The Guardian. Claro que vale também sempre a pena passar pelo Indymedia.
Ainda acerca do urbanismo, há coisas à espera de uma faísca para se inflamarem. Hoje chegou à minha caixa de correio uma reflexão de uma “honest-to-God-9-to-5-working-
Aqui vai ela:
Hoje almocei no Largo do Rato, numa pastelaria com vista para a estrada (que linda vista!). Como não podia deixar de ser, uma hora e tal a ver latas a rolar no asfalto tinha de me recordar as conversas na mailing list, e claro que o meu nível de revolta disparou para os níveis usuais de quando penso nestas coisas. Ainda para mais, sendo Lisboeta, fico bastante infeliz por ver a minha cidade a transformar-se num corredor de automóveis com cada vez menos espaço para as pessoas (con)viverem na rua.
Cheguei a casa, abri o email e vi a conversa toda acerca dos peões (Ah malandros! A atravessar indevidamente!). E vi também este artigo num dos emails, para aumentar a coincidência: http://
Passei precisamente a hora do almoço a pensar na perfeita estupidez que era um peão ter de esperar em tanto semáforo para ir a qualquer lado. E na rua ali ao lado, aquela com o Museu de Ciência e o Museu de História Natural, os passeios são tão estreitos que o meu chapéu de chuva batia contantemente nos candeeiros de rua e nas paredes. No entanto, os carros já têm espaço para estacionar, tanto do lado esquerdo como do lado direito. Nada de novo…
Não tenho bem a noção do que já se tem tentado fazer, mas os gregos nestes últimos dias têm dado excelentes ideias! Talvez hoje esteja com um espírito revolucionário, mas apetecia-me mesmo mesmo era encher todo o Largo do Rato com montes de gente, tipo aquelas malvadas velhinhas assassinas que atravessam passadeiras no vermelho, reformados a ler o Record, jogar dominó e sueca, bicicletas, trotinetes, patins, piqueniques, juventude a jogar à bola e ao berlinde e quiçá mesmo uns vendedores de castanhas com assador incluído (ou carrinhos de gelado se for no Verão).
João Branco
(http://5dias.net/)
Grécia: relato de um emigrante grego e reflexão
Relato de um ex-colega meu, grego, a trabalhar na Holanda, que viajou Sexta para Atenas e que me dará mais novidades amanhã:
I am just about to leave for Greece. Call me on my mobile tomorrow evening.
The baseline of my answer is that there is frustration that has been cultivated for many years and it is now exploding due to an unfortunate event which itself is a scandal and part of the problem. The basis of the frustration are the big contradictions in the society with poverty on the one hand and violent consumerism advertising on the other, with minimum wage at 650 euros on the one hand and corruption scandals including monasteries and ministers on the other, with suffocating environmental problems on the one hand and 28 Billions offered to the Greek banks on the other etc etc….This is the basis.
As for the damages to properties of ordinary people this is collateral damage for which everyone is sorry and everyone is thinking who is behind it. It can be even provocators from the right wing government.
Next week the violence may be over but teh underlying feelings remain.
Depois de ter discutido este email com outros colegas, e de ter ficado mais ou menos claro para mim que o que é mais difícil de compreender para os portugueses é a destruição provocada pelos manifestantes, a vandalização de propriedade e confronto com os agentes da autoridade como forma de luta, alinhavei esta reflexão:
Os bacanos que estão a partir tudo são os gregos. São as tais pessoas revoltadas. Não há uma separação clara entre o povo justamente indignado mas manso e os loucos que fazem pilhagens.
Pelo que tenho lido, não são “meia dúzia de grupos” que estão envolvidos na revolta. os motins são generalizados.
Quanto à “propriedade pública” que está a ser vandalizada, pergunto-me se ainda haverá assim tanta propriedade que se possa considerar pública, do uso de todos? Não sei como é em Atenas, mas a “propriedade pública” aqui é aquela que está em locais tão caros que só estão acessíveis a um certo público.
Quantos “honest to God 9-to-5 working man” , se a situação nos permitisse, não teriam prazer em deitar fogo a bancos e queimar carrinhas da bófia? Principalmente em resposta a ataques da parte desta.
Eu por mim poucas coisas me fariam mais feliz do que ver os portugueses que andam a levar no cu sem estrebuchar (ouvia ontem o sócas a dizer que, depois de não-sei-quantos anos a apertar o cinto por causa do défice, vai afundar as contas do estado aumentando o défice brutalmente para injectar 900 milhões na indústria automóvel, mais milhares de milhões na mota engil do jorge coelho, mas não-sei-quanto nos bancos) assumissem uma posição de confronto social directo. Se a bófia quiser tomar o lado dos proprietários do sistema, então que remédio senão confrontá-la? Ir para casa?
Que eu saiba, aquela máxima da CNT francesa continua a ser verdadeira:
“De l’argent il y en a dans les caisses du patronat.” , e digo eu, provavelmente há argent suficiente para sustentar quaisquer medidas de melhoria de condições de vida.
E qual é a alternativa ? É este confronto ser tomado numa prespectiva individual e o que se vai tendo é cada vez mais assaltos a bancos, pessoal a boicotar passivamente o trabalho (como diria um amigo meu num call center: “enquanto o meu patrão fingir que me paga, eu vou fingindo que trabalho” ) … ou seja é a sul-americanização (ou estadunização, se quiseres), no pior sentido, do país.João Branco
(http://5dias.net)
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