Porque a informação tem sido parca e os acontecimentos nos parecem relevantes, um local onde se reúnem documentos.

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quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

18 de Dezembro de 2008

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A Grécia entra no 13º dia de protestos

Protesters battle Greek police, flights grounded
En Grèce, un lycéen blessé par un tir d'origine inconnue
Student demo ends; stations occupied across the country; trade union building in Patras also occupied
Student demo heavily tear gased in Athens
Student shot in Peristeri, Athens; student demo set to start


Artigos:

Segunda semana de protestos na Grécia - Revolta popular
A comic on Alexandros

Grécia, «anarquistas» e outras coisas

Para quem não percebeu, há dois dias de solidariedade internacional com as lutas sociais na Grécia. Um é no sábado, dia 20 de Dezembro e foi convocado pela assembleia de ocupação da Faculdade de Economia/Politécnico de Atenas. O outro é hoje e foi convocado pelo Synaspismos (bloco de esquerda grego) e pelo Partido da Esquerda Europeia. Deixo à vasta comunidade de leitores do Spectrum o juízo sobre esta iniciativa, de desdobrar em dois dias a solidariedade internacional, e o interesse do Partido da Esquerda Europeia em que tal aconteça.
Para que se entenda melhor do que se trata, interessa talvez ter em conta a declaração do secretário-geral da nova esquerda grega, disponível no
Esquerda.net: "Saudamos os estudantes, rapazes e raparigas, todos os jovens que não escondem a cara. [...] O nosso alvo é o sistema, e as suas injustiças para com a juventude. O nosso alvo não são as montras, os carros, as residências, os edifícios públicos. Estamos inequivocamente contra a violência cega. [...] Na nossa opinião, a saída para o Estado é pedir desculpa, na prática. E isso significa que o governo deve promover, imediatamente, uma série de medidas; empregos para os jovens; educação de qualidade, com fundos suficientes e livre acesso às universidades; espaços públicos para os jovens se reunirem, se divertirem, namorarem; reforma democrática da força policial. [...] Chamamos a juventude a envolver-se numa luta para expulsar este governo de uma forma militante, radical e pacífica, e avançar para uma grande mudança que dê fundos, emprego e educação de qualidade às próximas gerações."
Não sei se é claro - de um lado estão os de cara tapada e a sua lamentável violência cega, do outro está a «juventude» ou seja, o rebanho de figurantes radicais e pacíficos com os quais provocar a queda do governo de direita e concretizar uma política de esquerda, com espaços públicos para os jovens se divertirem e namorarem enquanto o Estado pede desculpa. Falta aqui perceber porque razão se exige numa frase que o governo tome uma série de medidas e noutra frase se apela a uma luta para expulsar esse mesmo governo cujas medidas se desejam. Ainda que a Lógica tenha sido inventada naquela parte do mundo, a esquerda «radical» grega parece ter ficado fora da lista de distribuição.

Mais perto e mais significativo é o texto de Rui Tavares no Público. Não vou comentar as recomendações dadas aos líderes mundiais sobre a necessidade um novo contrato social. Cada um tem o seu programa e o Rui tem o mérito inestimável de deixar o seu bem claro. Espero até que os líderes mundiais lhe dêm ouvidos, embora não conte muito com isso. O que realmente me apetece comentar é o último parágrafo: "Em Espanha, 1936, até os anarquistas aceitaram entrar no governo, e logo com a primeira mulher ministra no país — Federica Montseny. É algo que talvez os “anarquistas” gregos de hoje desconheçam. Mas sei que assustou muito mais os fascistas do que qualquer montra partida."
Note-se que o Rui coloca sobre aspas os «anarquistas» gregos que enfrentam a polícia mas não segue a mesma opção no que toca à direcção da CNT durante a Guerra civil espanhola. Já em Abril de 2007 fiquei surpreendido quando o
Daniel Oliveira se referiu à "já habitual excitação de pessoas que, na minha opinião, confundem a tradição anarquista e libertária com uma moda tribal adolescente e que se comportam como qualquer hooligan de uma claque de futebol."
Não pretende definir aqui a ontologia da acracia, mas estranho este contraponto entre um anarquismo sem aspas, empenhado não sei bem em quê, que participa em governos mas renuncia a qualquer forma de violência no confronto com o Estado, e um outro «anarquismo» que seria apenas a cobertura ideológica a que algumas pessoas (não se sabe bem porquê) teriam necessidade de recorrer para destruir coisas e enfrentar a polícia. Do ponto de vista historiográfico não encontro grande justificação para estas aspas. Um historiador como o Rui deveria saber (pelo menos se deseja falar sobre o assunto) que a entrada de dirigentes anarco-sindicalistas para o Governo republicano foi tudo menos pacífica e consensual no interior da CNT-FAI.

Para levar a coisa um pouco mais longe, seria ainda necessário ter em conta o facto histórico fundamental que aqui se pretende iludir - o levantamento franquista de 19 de Julho de 1936, em Barcelona, foi esmagado em dois dias pelos mesmos anarco-sindicalistas que nos anos anteriores se haviam caracterizado por actos insurrecionais e bombistas, trocas de tiros com as forças da ordem, prisões e deportações frequentes, exproprios, sabotagens e perturbações da ordem pública. Eram descritos pela imprensa espanhola exactamente nos mesmos termos em que a imprensa se refere actualmente aos «vândalos», «extremistas» e «violentos». A imagem heróica que se pretende agora recuperar de um anarco-sindicalismo espanhol generoso e pacífico, seriamente empenhado na defesa da República, resiste mal à leitura da bibliografia de referência sobre a guerra civil espanhola, a começar pela de Pierre Broué, um dos mais eminentes especialistas no tema. Não apenas os conflitos foram frequentes entre o governo republicano e a organização confederal, como esta última foi várias vezes ultrapassada pela acção directa espontânea da sua base, empenhada em não separar a revolução social da guerra em curso. O trágico epílogo de tudo isto torna o exercício da última frase do Rui particularmente infeliz. É que em Maio de 1937 algumas brigadas do exército dominadas pelo PCE tentaram ocupar a central telefónica auto-gerida de Barcelona e foram rapidamente dissuadidas por um levantamento popular. A resposta do governo republicano foi transportar tropas da frente (o que certamente agradou a Franco) para fazer face aos insurrectos, a resposta da direcção da CNT-FAI foi apelar à calma e a resposta do Komintern foi fazer desaparecer alguns elementos incómodos nas suas prisoes. Os meses que se seguiram foram assinalados pela repressão levada a cabo contra os anarquistas por parte do Governo Republicano, o que certamente assustou menos os fascistas do que a destruição de montras.

Na senda pela unidade da Esquerda de que ultimamente se fez paladino, o Rui Tavares ensaia algumas simplificações históricas tacticamente úteis, mas politicamente funestas. É que os «anarquistas» gregos conhecem, porventura bem demais, a experiência da guerra civil espanhola (tal como a sua própria guerra civil) para escutar tão piedosos conselhos. E talvez o próprio Rui fizesse bem em conhecer melhor as razões históricas pelas quais a «esquerda» portuguesa esteve dividida nos últimos 30 anos. No ensaio de guerra civil que aqui teve lugar em 1975, a linha de demarcação passava bem no meio do que agora se pretende ver unido. Seria de perguntar, ao Major Tomé e a Manuel Alegre, juntos agora na Aula Magna, onde estavam no 25 de Novembro de 1975. E talvez a resposta fosse mais elucidativa para ilustrar o debate em curso à esquerda do que uma referência superficial a Federica Montseny.

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